A tragédia de Santa Maria e suas implicações jurídicas

Acabei de assistir o Jornal da RBS (edição 29/01/2013) e mais uma vez me fui as lágrimas. 

Não aguento mais chorar e não poder fazer nada em relação a tudo que ocorreu na boate Kiss em Santa Maria, por tal resolvi começar uma série de textos aqui no nosso site os quais servirão para auxiliar aquelas pessoas que infelizmente foram atingidas por esta tragédia a buscar os seus direitos na justiça, os quais devem ser exigidos com a máxima força possível, pois só punindo veementemente todos envolvidos haverá temor em se repetir tamanha infâmia, e como dizia um professor que tive, a verdade é que é mais fácil assustar uma pessoa pelo bolso que pela perda da liberdade, pois um preso fica quatro anos na cadeia e sai, agora quem perde tudo pagando indenizações talvez nunca mais se recupere, e é este medo de que se não fizer as coisa certa pode perdertudo que deve nascer na cabeça de cada administrador público, cada dono de boate, cada proprietário de loja.

Abordar sob o prisma jurídico uma tragédia como a do incêndio da boate kiss, é enorme, pois uma coisa deste tamanho tem reflexos em diversas áreas do direito, e para não causar confusão vou tentar abordar assunto por pontos, e começemos com as responsabilidades do ponto de vista civil dos envolvidos.

 

Quem deverá pagar as indenizações

Donos da Boate, integrantes da bandas, funcionários públicos e outras pessoas físicas possivelmente envolvidas

Não há qualquer dúvida que os donos da boate respondem integralmente e com responsabilidade objetiva pelo que ocorreu, ou seja devem pagar por tudo mesmo que não se comprove qualquer culpa dos mesmos.

Além dos donos da boate outras pessoas físicas e jurídicas podem acabar envolvidas no caso, por exemplo os integrantes da banda, os seguranças e demais funcionários da casa que impediram a saída, a empresa que prestava manutenção para os extintores, a empresa ou pessoa que prestou consultoria para elaboração do plano de combate ao fogo, o responsável pela fiscalização das casas noturnas em Santa Maria, os bombeiros que aceitaram o plano de combate ao fogo e assim por diante.

De qualquer forma é evidente que devido ao valor das indenizações, mesmo que se busque todos os bens destas pessoas o valor arrecadas será insuficiente para pagar o valor total que será arbitrado a título de indenizações.

 

Prefeitura de Santa Maria

A Prefeitura de Santa Maria é evidentemente  responsável do ponto de vista civil pela tragédia, vez que é ela que deve fiscalizar as condições do local para suportar eventos, ademais já sabemos que o local estava sem alvará de funcionamento, o que deixa claro a omissão do poder público em fiscalizar, o que gera assim a chamada culpa in vigilando, que é a espécie de culpa que possui aquele que deveria cuidar de algo, mas não o faz.

Ocorre que, mesmo o orçamento anual total de Santa Maria (pelo que pesquisei ao redor de quatrocentos milhões de reais, não é suficiente para cobrir todo o valor de indenização a que estas famílias farão jus.

 

Governo do Estado do Rio Grande do Sul

Esta será a grande questão, o governo do Rio Grande do Sul devido ao fato dos bombeiros terem aprovados o plano de incêndio é ou não responsável em indenizar as famílias. Ao nosso ver sim, pois se houve aprovação de um plano de incêndio e este falhou vergonhosamente o trabalho não foi bem feito e por tal o governo do Estado tem culpa e asim deverá arcar em conjunto com as pessoas físicas envolvidas e a prefeitura com as indenizações.

Eis a regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

(omissis)

 

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa

 

 

Neste sentido, a questão já está sendo abordada no processo 001/1.13.0021180-7, o qual nosso escritório esta promovendo em nome da União Brasileira de Defesa do Cidadão, neste processo a juíza Fabiana Zilles, já delimitou bem a questão da responsabilidade do governo do Estado do Rio Grande do Sul, no termos do nosso pedido.

 Vistos, etc. Trata-se de ação coletiva ajuizada pela UNIÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CIDADÃO contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL objetivando, em síntese, o tratamento de saúde gratuita às vítimas da tragédia de Santa Maria, inclusive com os custos das despesas não cobertas pelo SUS e custeio de despesas de hotel, alimentação, transporte e tratamento psicológico aos parentes das vítimas do ocorrido, seja pelo fundamento de que haveria falha na vigilância do Estado do Rio Grande do Sul na fiscalização do Estabelecimento Comercial, seja porque seria dever do Estado do Rio Grande do Sul à Assistência à Saúde. (fls. 06/07). Nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92, intime-se pessoalmente o Procurador Geral do Estado do Rio Grande do Sul ou a pessoa que estiver a substituí-lo para que, no prazo de 24 (vinte e quatro ) horas, se manifeste sobre o pedido de antecipação de tutela, bem como forneça em igual prazo listagem de todas as vítimas, devidamente qualificadas, que ainda se encontram internadas em virtude do ocorrido, e o local da internação. Registro que a diminuição do prazo previsto no art. 2º da Lei nº 8.437/92 deve-se ao fato da urgência na análise da medida. Expeça-se mandado de intimação, cuja cópia da inicial deverá acompanhar o mandado sem prejuízo do prazo contestacional posterior. O mandado deverá ser cumprido com prioridade pelo Oficial de Justiça do Serviço de Plantão, autorizando-se inclusive o cumprimento do mandado entre às seis horas da manhã até às vinte horas da noite. Isenta a parte autora de antecipação das custas , nos termos do art. 18 da Lei 7347/85. Intime-se a parte autora da presente decisão. Intime-se, igualmente, o Ministério Público do ajuizamento da presente demanda. Consigno que ante a pluralidade de determinações e da urgência que o caso requer, os autos não deverão sair do Cartório. Dil.legais. 

É de se chamar a atenção que neste processo, pelo segundo despacho emitido fica claro que - o próprio governo do RS esta admitindo a responsabilidade, senão vejamos 

 Vistos , etc. Trata-se de ação coletiva ajuizada pela UNIÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CIDADÃO objetivando, em síntese, o tratamento de saúde gratuita às vítimas do incêndio ocorrido na Cidade de Santa Maria, inclusive com os custos das despesas não cobertas pelo SUS e custeio de despesas de hotel, alimentação, transporte e tratamento psicológico aos parentes das vítimas do ocorrido, seja pelo fundamento de que haveria falha na vigilância do Estado do Rio Grande do Sul na fiscalização do estabelecimento comercial, seja que porque é dever do Estado do Rio Grande do Sul a Assistência à Saúde. (fls. 06/09). Intimado o Estado do Rio Grande do Sul, em 31 de janeiro de 2012, para se manifestar em vinte e quatro horas a respeito do pedido de antecipação de tutela, o Estado se manifestou em 01 de fevereiro de 2012 ( sexta ¿ feira ), requerendo lhe seja prorrogado até segunda ¿ feira, o prazo para a juntada de documentos que comprovem suas assertivas de que está a prestar a devida Assistência às vítimas e familiares Intimado igualmente o Ministério Público do ajuizamento da ação em 31 de janeiro de 2012. É o relatório Decido. Dispõe o art. 2º da Lei 8.437/92 que nas ações de mandado de segurança e na ação civil pública , antes da concessão da liminar a pessoa de direito público deverá em 72 ( setenta e duas ) horas se manifestar. O prazo legal foi reduzido pela decisão de fls. 23/24 em virtude da necessidade de celeridade que o caso impõe. Todavia, face às ponderações do requerido à fls. 30/32 , de que está a cumprir o seu dever de Assistência à Saúde às vítimas e familiares, bem como de que o prazo assinalado foi exíguo para a reunião da totalidade da documentação que comprove as ações que estão sendo realizadas pelo requerido é de se deferir o seu pedido de prorrogação do prazo assinalado. É de se consignar igualmente que o requerido registra que há pacientes que inclusive estão internados na rede hospitalar privada e de que eventuais custos, se cobrados por tais instituições, serão suportadas pelo ente público. Afirmou, em relação à questão do estoque de pele humana, que o sistema de saúde possui estoque suficiente , eis que além do existente no próprio Estado, recebeu doações de outros Estados da Federação e de outros países. Acrescentou que a Defesa Civil do Estado está providenciando no apoio aos familiares dos pacientes internados, tanto na questão relativa ao transporte dos familiares entre Porto Alegre / Santa Maria, através da empresa Planalto, que no momento disponibilizou transporte gratuito, como no auxilio a hospedagem e alimentação na cidade de Porto Alegre através da Fundação Banrisul

O referido processo é novo e esta no início e certamente é só um dentre as centenas de processos que serão ajuizados contra o Estado.

 

 

Quem tem direito a receber indenização devido a tragédia de Santa Maria

 

Tem direto a serem indenizados - TODAS - as pessoas que foram atingidas pela tragédia, em especial.

- Os sobreviventes, ou seja todas as pessoas que compareceram a boate naquele dia.

- Os familiares dos sobreviventes, em especial os daqueles que necessitaram de atendimento médico, mas não só, pois por exemplo tem direito a receber indenização por danos morais alguém que ficou sem informação de um filho que estava no local, visto que passou por um abalo moral mesmo que nada de mais grave tenha ocorrido.

- Os familiares das vítimas fatais, sendo que por familiares entenda-se as pessoas mais próximas, o que pode significar até mesmo seus amigos (ex. amigos que residiam na mesma república). 

- Além deste também fará jus a indenizição alguém que tenha sido atingido de forma reflexa pela tragédia. (Ex. Vamos dizer que um arquiteto tenha falecido e alguém tinha contratado esta pessoa e o projeto estava no meio. O exemplo parece um pouco fora de foco, mas é que o dia a dia nos demonstra que as pessoas podem ser atingidas das formas mais inimagináveis por fatos que a princípio não teria relação direta com as mesmas.)

 

Reparações Civeis a que os envolvidos têm direito


As seguintes reparações são possíveis em um caso como este

1. Indenização por danos morais puro.
2. Indenização por danos estéticos.
3. Pensionamento por morte ou por afastamento do trabalho.
4. Indenização por morte.
5. Indenização pelos gastos realizados (hospitais, deslocamentos da família, trabalho, etc).
6. Outras perdas e danos e ressarcimentos decorrentes do fato.

O fato é que as indenizações cíveis devem fazer voltar a fortuna das partes ao estado anterior e indenizar aquilo que não pode voltar, por mais impossível que isto seja.

 

Do valor das indenizações por danos morais

Hoje em dia existe uma espécie de tabelamento de indenizações graves por danos morais, as quais conforme as jurisprudências do STJ tem se fixado de regra

Para morte o tribunal tem decidido ao redor de 500 salários mínimos

Para lesão corporal verifica-se decisões que vão de 100 a 1000 salários mínimos, dependendo da lesão, idade etc,

É de se salientar que as pessoas que não morreram nem ficaram no hospital também terão direito a serem indenizadas, em um dano moral que deve ficar entre 30 e 100 salários mínimos. (Submetido a situação de dano moral)

Estes parâmetros são os basilares da jurisprudência, mas em uma situação terrível como a de Santa Maria eles por certo serão ampliados.

 

Das pensões vitalíciais e auxílios provisórios

 

Muito dos jovens que morrerão eram pais, outros sustentavam os seus pais e todos de uma forma ou outra tinham uma vida de trabalho pela frente a qual geraria uma quantidade significativa de dinheiro.


Pois bem, a lei diz que os parentes que ficaram vivo, têm direito a receber uma pensão mensal equivalente aos ganhos que aquela pessoa teria ao longo de sua vida, por todos os anos que viveria (conforme expectativa de vida média brasileira), ao redor de 75 anos, o que significa que por exemplo uma jovem de 18 anos que morreu, teria ainda uma expectativa de 57 anos de vida, o que significa - a grosso modo - que seus familiares durante 57 anos terão direito a receber uma pensão equivalente aos rendimentos que esta pessoa teria conforme a sua profissão e idade.

De outra banda todos aqueles que ficaram afastados de seus afazeres devido aos fatos ocorridos têm direito a indenização, mesmo que não trabalhem, pois por exemplo um estudante que perder um mês em recuperação está perdendo um mês lá na frente de renda, ou mesmo um pai , um parente que largou tudo para acompanhar o parente doente também terá direito a indenização.

* 29/01/2013 -  Comecei a escrever este texto quando comecei a chorar durante o RBS TV, agora começou o Jornal da Globo e lá se vamos as lágrimas novamente, apareceu na TV o pai de um colega meu de segundo grau, que é médico e perdeu uma filha de 18 anos. Quero dizer esta difícil organizar todas as idéias, por tal, este texto será revisado e ampliado ao longo do tempo colocando mais informações conforme cheguem as dúvidas, mas de qualquer forma vou lançar ele na web assim mesmo, pois já deve haver muitas dúvidas e pessoas desesperadas sem saber o que fazer, em especial naquelas famílias cujo o falecido era o esteio do lar.

 

Danos Estéticos

Cabe indenização por danos estéticos para todos aqueles que sofrem cicatrizes, os quais infelizmente serão muitos, pois como estamos vendo na TV esta faltando pele.


* 29/01/2013 - Pessoal não consigo mais escrever, amanhã vou tentar continuar, pois é muito complicado mesmo para um advogado que se acostuma a lidar com o rescaldo das tragédias tentar ser tão objetivo agora, de fato só uma coisa me vem a mente.


* 02/02/2013 - Um dia após escrever este texto ajuizei através da União Brasileira de Defesa dos Cidadões uma Ação Coletiva exigindo que o governo preste imediata assistência aos internados em hospitais e suas famílias, como por exemplo custear vagas particulares, pagar pela estadia dos familiares e ainda fornecer diárias aos mesmos, os quais se encontram afastados de seus trabalhos. O número do processo é o  001/1.13.0021180-7

 

 

Existe um povo que a bandeira empresta

Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?!...

Silêncio!... Musa! chora, chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto...

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança...

Tu, que da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança,

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu na vaga,

Como um íris no pélago profundo!...

...Mas é infâmia de mais... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...

Andrada! arranca este pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta de teus mares!

 

O Navio Negreiro, Tragédia no Mar

Castro Alves

 -infelizmente ainda atual -

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