Consumidor vira Geni
Depois de proteger os bancos por meio das Súmulas nºs 380, 381 e 382, duas novas interpretações do STJ colocam agora um escudo de proteção nos fornecedores de produtos e serviços, violando flagrantemente princípios consagrados no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal com relação à vulnerabilidade do consumidor, da eficiência e continuidade da prestação do serviço, da proibição de constranger o consumidor inadimplente, do devido processo legal, do contraditório, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da solidariedade…
A 4ªTurma, por exemplo, decidiu que não caracteriza dano moral a interrupção no fornecimento de produtos ou serviços prestados a consumidores inadimplentes, entendendo que a legislação do consumidor não proíbe qualquer empresa de suspender a prestação de serviços por falta de pagamento. (Leia no saite do STJ - Resp nº 592477)
Esqueceram os eminentes ministros, no entanto, do princípio constitucional do “devido processo legal” e legitimaram o “abuso do direito” vedado no Código Civil (CF, art. 5º LIV e CC, 187). Ou então reduziram o “devido processo legal” a um aviso: “tem conta em atraso”. Ou querem dizer que agir ao arrepio da lei, sendo ao mesmo tempo parte e juiz, não significa abusar do direito.
Assim, na ótica do STJ, não importa se o serviço é essencial à própria sobrevivência do consumidor e dos membros de sua família ou se a interrupção irá prejudicar crianças, enfermos ou idosos… Importa garantir a segurança e proteger o fornecedor do serviço.
Para os prestadores do serviço, por fim, não se faz necessária uma demanda judicial para cobrar seu crédito. Para eles, o Judiciário de primeira instância, certamente, é muito lento e favorável ao consumidor ao considerá-lo vulnerável. Melhor suspender logo o fornecimento do serviço, pois agora, sob as bênçãos do STJ, podem ser a parte interessada, órgão processador e julgador ao mesmo tempo.
Mas se o consumidor, por um motivo qualquer, tornar-se credor de um fornecedor do serviço e este não cumprir voluntariamente com a obrigação, não poderá - o consumidor - se apropriar de algum bem do devedor, mas esperar anos em uma demanda judicial, obedecendo ao “devido processo legal” e ao “contraditório”.
Coroando o processo de proteção aos poderosos em detrimento do consumidor desamparado, a última súmula do STJ (385) orienta que “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. (Leia também no saite do STJ).
Assim, para o “Tribunal da Cidadania”, como se autodefine o STJ, o consumidor que já tiver alguma anotação anterior não tem mais moral a ser reparada, não será mais merecedor do respeito e da proteção do CDC, pois é como uma “Geni”: é feita pra apanhar, dá pra qualquer um e é boa de cuspir…
Por Gerivaldo Alves Neiva,juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité (BA)(*)
E-mail: gerivaldo_neiva@yahoo.com.br
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A letra de "Geni", criação (1977) de Chico Buarque de Hollanda.
Da redação do Espaço Vital (www.espacovital.com.br)
Segundo estudos veiculados na Internet, a violência produzida contra os homossexuais foi o que teria inspirado Chico Buarque a compor "Geni".
A narração seria de uma pequena história em que o marginalizado é um homossexual, que durante o dia é Genival, e que de noite se transveste em Geni.
Leia a letra e avalie.
"De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada.
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada.
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato.
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato.
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir.
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidadeVive sempre a repetir
Joga pedra na Geni,
Joga pedra na Geni.
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um,
Maldita Geni,
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim.
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo ´Mudei de idéia
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir´.
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro.
Acontece que a donzela- e isso era segredo dela -Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos.
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão.
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco.
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir.
Joga pedra na Geni,
Joga bosta na Geni,
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!".