Indenização por perseguição na ditadura não prescreve
O desembargador Ronaldo Andrade, da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou a tese de que o direito a indenização para perseguidos políticos durante a ditadura militar é passível de prescrição. Em julgamento do último dia 15 de maio, o colegiado mandou a Fazenda do Estado de São Paulo indenizar o militante Caio Venâncio Martins em 500 salários mínimos, ou R$ 255 mil. Ele conta que foi obrigado a sair do Brasil e viver em diversos países para fugir da Polícia na época.
Além do relator, participaram do julgamento os desembargadores Amorim Cantuária e Antonio Carlos Malheiros. Eles entenderam que, no caso, a reparação dos danos morais é devida, já que o próprio Estado “forneceu aparato para perseguição política, assim como na prática de tortura, levadas a efeito durante o período de ditadura militar”.
Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e participante do movimento estudantil, Venâncio Martins foi acusado de ter feito treinamento de guerrilha em Cuba e de ter participado de diversos roubos a bancos. De volta ao Brasil, não pôde retomar os estudos, porque seus dados pessoais não constavam mais no banco de dados da instituição de ensino.
“Entretanto, não se tem nos autos qualquer prova da prática de tais crimes, estando bem caracterizada a perseguição política, pelo simples fato de militar o autor em movimentos políticos da época”, observou o relator do processo.
“Restou bem demonstrada nos autos a ilicitude da injusta perseguição impingida ao autor da demanda, em verdadeiro atentado aos direitos humanos, quer no que tange ao direito à vida, integridade física e psíquica, como também, no que tange ao direito de resistência a qualquer regime de governo que pratique atos atentatórios aos direitos humanos”, diz o acórdão.
O caso foi levado à segunda instância pela Fazenda, sob o argumento de que a indenização conquistada pelo homem em primeira instância não preencheria os requisitos da Lei Estadual 10.726, de 2001, que estipula regras para “cidadãos que foram perseguidos, detidos e torturados pelos órgãos de repressão no período de 31 de março de 1964 a 15 de agosto de 1979”. Além disso, caso fosse cabível o pagamento, alega, os valores estariam errados.
De acordo com o acórdão, “os atentados aos direitos humanos são imprescritíveis, devendo o Estado responder pelos danos causados em razão da violação desse direito. Neste sentido, aliás, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça firmando entendimento de que demandas reparatórias calcadas na violação de direitos humanos, como tortura, ocorridos durante o regime militar, são imprescritíveis”.
O relator do caso fez uma distinção. Segundo ele, a indenização difere da prevista na Lei 10.726, que “não se refere aos danos morais, mas a uma indenização genérica com valor estabelecido, na norma, cuja finalidade é assistencial e com nítido cunho assistencial”. Enquanto isso, o dano moral tem natureza de “efetiva reparação dos danos sofridos, por meio de uma indenização pecuniária cuja finalidade é compensar o autor do sofrimento que lhe foi injusta e ilegalmente impingido, tendo esta indenização o escopo de dar um lenitivo a intensa dor experenciada”.
A juíza Carolina Martins Clemencio Duprat Cardoso, que concedeu a sentença, entendeu que “a farta documentação juntada demonstra que o autor foi perseguido, torturado, processado, viveu no exílio, tinha sua vida monitorada durante toda a ditadura militar”. De acordo com ela, “funcionários públicos ocupantes de cargo no estado de São Paulo auxiliavam intensamente os órgãos de repressão federais e perseguiram o autor, monitorando seus passos, na tentativa de localizá-lo, daí decorrendo a legitimidade passiva do requerido”.
Como já noticiou a revista Consultor Jurídico, a questão sobre a imprescritibilidade ainda não foi respondida definitivamente. A última palavra até agora foi do Superior Tribunal de Justiça, que em outubro julgou imprescritíveis crimes contra direitos fundamentais, em um Recurso Especial de um ex-padre. De acordo com o ministro Herman Benjamin, relator do caso, essas violações não decaem, “principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões”.
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