No tempo do faroeste

Penso que estamos no tempo do faroeste, onde manda quem tem condições de se impor, enquanto os demais obedecem. Naquela época não existia lei escrita, e, hoje, apesar de existir, poucos a aplicam.

Pode parecer brincadeira, mas não é! Outro dia um colega de Advocacia, antigo servidor público, me disse que estava se retirando da profissão, pois não tinha como explicar aos seus clientes porque a lei que existia não era aplicada. Sustentou não ter caráter para enganar seus clientes mostrando a lei, e dizendo que eles tinham razão, mas não bastava apenas isto. Se está escrito em algum código, manual, se é estudado na faculdade, não interessa.

Mas o que interessa? É difícil dizer, mas a resposta está para uns bem clara; mas para outros, que ainda acreditam em justiça, fica muito dif ícil de entender. Por que a lei vale para uns e não vale para outros? Ora, porque muitos têm que pagar impostos, enquanto poucos outros sonegam e nada acontece.

Assim, como no faroeste, manda quem tem mais bala na agulha, e obedece, aquele que não tem como manter resistência.

Bancos são beneficiados por decisões no mínimo duvidosas. Muitos perdem, mas as instituições financeiras, que não querem pagar as indenizações referentes as perdas nos períodos inflacionários, ganham, mesmo em tempos de crises. Já se lê sobre os enormes prejuízos que estão tendo!... Melhor fazer outra leitura: em tempo de crise os bancos ganham menos, mas ao contrário de muitos que estão desempregados, eles sempre ganham. O poupador perde, mas o banco, jamais.

Este também é o destino de tantas outras empresas, afinal, o Judiciário está aí para ajudar ao crescimento financeiro...de uns, nã o de todos. Seria impossível ajudar aos milhares de consumidores que reclamam de seus direitos, mas é fácil ajudar a uma empresa que presta serviços irretocáveis. Este é o caso de uma grande empresa que adquiriu nos anos de 2000 uma estatal. O gaúcho perdeu, pois os serviços que era para serem melhorados, não melhoraram. O custo ficou mais barato. Hoje temos acesso ao mesmo muito mais rápido, mas o direito de seus antigos acionistas, acertado contratualmente, não será pago, já que prejudicará a empresa!

Difícil de acreditar, já que ela ganhou muito naquela época, e, agora, passados nove anos da incorporação da estatal pela empresa privada, ganhou uma ajuda que seria inacreditável do Poder Judiciário.

Tenho que isentar a maioria dos seus membros. Eles não fazem súmulas, tampouco leis que proíbem a discussão do caso concreto. De quem é a culpa: do Legislativo que fez a lei de repercussà £o nacional, ou do Judiciário que não soube interpretá-la corretamente.

Mudaram a leitura de uma e passaram a entender que deveria ser aplicada para os recursos repetitivos, mas será que temos milhares de casos iguais? Podemos assassinar o direito como se fosse milhares de inocentes indo para uma câmara de gás?

No caso daquela empresa que deixou de dar aos acionistas, parece que o interesse não era de todos os brasileiros, mas de, talvez, apenas 500.000 pessoas; no entanto, o Judiciário, desconsiderando suas funções constitucionais sumulou, em nome da lei de recursos repetitivos, uma heresia maior do que a própria desconsideração constitucional que lhe outorgava apenas a função de aplicar a lei.

Mas o Judiciário não pode legislar! Quem disse isto? No Brasil pode, e, segundo lemos nos jornais dias atrás, o próprio presidente do STF assim aduziu, de modo que devemos esq uecer as leis, pois se ao Judiciário não cabe tão somente aplicá-las, então menos ainda é preciso escrevê-la, sendo que o interesse de uns poucos atropelará o direito de muitos.

Em conversa com alguns juristas ouve-se que está demais a cobrança daqueles que tem direito a uma indenização e, segundo grifado em recente acórdão do STJ, não era mais possível aceitar aquela demanda de pessoas com razão, então, como no tempo do faroeste, passaram a adotar o direito daqueles que não tem razão, mas que podem mandar.

Por último, espero que não pensem que a culpa é do Daniel Dantas. Eu não disse isto, ou vão dizer que também o pobre coitado tem culpa nesta história triste?Por Ricardo Rapoport,advogado (OAB/RS nº 55.340(*) E.mail: ricardo.rapoport@uol.com.br

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