TJRS finalmente reconhece a ilegalidade da lei municipal que permite descontos acima de 30%

Nas últimas décadas os operadores do direito se acostumaram com o fato de que todos os avanços na área do direito do consumidor vinham do Rio Grande do Sul, no entanto nos últimos anos isto tem mudando, de fato o Tribunal Gaúcho ultimamente tem se mostrado bem menos inovador que os seus pares nesta área.

Um exemplo é a questão a limitação dos empréstimos bancários em no máximo 30% dos vencimentos. Tal questão já foi definida inclusive pelo STJ, no entanto aqui no RS nosso tribunal continuava negando este pedido dizendo que uma lei estadual e algumas municipais teriam extendido este limite para 60% ou 70% no caso de funcionários públicos.

Para nós esta decisão não se sustentava, pois a lei federal e a constituição têm primazia sobre estas normas estaduais e municipais.

No entanto hoje para nossa grata surpresa a 17.ª Câmara Cível finalmente reconheceu este direito em um processo oriundo de nosso escritório, cujo inteiro teor do acordão segue

 

APELAÇÃO CÍVEL. negócios jurídicos bancários. ação ordinária. limitação de desconto em folha de pagamento.

Permitidos os descontos em folha de pagamento, desde que observado o limite de 30% dos vencimentos brutos, após a dedução dos descontos obrigatórios.

APELO PROVIDO. UNÂNIME.

 

Apelação Cível

 

Décima Sétima Câmara Cível

Nº 70043623669

 

Comarca de Porto Alegre

CSF

 

APELANTE

AGPTEA - ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TECNICOS DE ENSINO AGRIC

 

APELADO

BANRISUL

APELADO

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.ª Elaine Harzheim Macedo (Presidente e Revisora) e Des. Luiz Renato Alves da Silva.

Porto Alegre, 24 de novembro de 2011.

 

 

DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES,

Relatora.

 

RELATÓRIO

Des.ª Liége Puricelli Pires (RELATORA)

A fim de evitar tautologia, utilizo o relatório da sentença das fls. 113-115:

“C.S.F., qualificada nos autos, ajuizou ação ordinária contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A-BANRISUL e ASSOCIAÇÃO GAÚCHA DE PROFESSORES TÉCNICOS DE ENSINO AGRÍCOLA-AGPTEA, ambos com sede nesta Capital.

Alegou a autora que mantém conta no banco demandado, onde recebe os seus vencimentos. Asseverou que efetuou junto aos réus, contratos de empréstimos com descontos em folha de pagamento, porém ditos descontos estão sendo efetivados em patamar acima da margem consignável de 30% prevista em lei. Discorreu sobre os danos morais sofridos face os descontos inviabilizarem o seu sustento. Requereu liminarmente que os demandados mantivessem os descontos num patamar máximo de 30%, além de que se abstivessem de cadastrar o seu nome nos arquivistas. Postulou pela procedência da ação, confirmando-se os efeitos da liminar e, ainda, condenando-se os réus ao pagamento de indenização por danos morais, além dos demais consectários sucumbenciais.

Liminar indeferida à fl.10.

Contestando a ação (fls.35/58), a Associação ré arguiu, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, alegou que nunca firmou contrato de empréstimo com o autor, atuando como mera intermediária no negócio. Asseverou não ser instituição financeira e portanto não pode atuar na concessão de empréstimos. Mencionou que a autora anuiu espontaneamente com os descontos no momento da contratação, bem como beneficiou-se com o crédito. Referiu sobre a legalidade dos descontos por estarem dentro do limite legal consignável. Requereu a denunciação da lide ao Banco HSBC Bank Brasil S/A, por ser a instituição financeira que efetivamente cedeu o crédito à autora. Rechaçou a ocorrência de dano moral. Propugnou pela extinção ou improcedência da ação. Juntou documentos.

Em contestação de fls.74 a 81, o Banco demandado alegou que os valores descontados em conta corrente estão dentro do limite legal de 70% previsto no Decreto Lei 43.574/05. Asseverou que a demandante tinha plena consciência das condições no momento das contratações. Rechaçou a ocorrência de dano moral. Propugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos.

Instada a apresentar réplica, a autora silenciou (certidão fl.106).

As partes não manifestaram interesse na dilação probatória, conforme certidão de fl.111-verso e petição de fl.112. “

 

Sobreveio sentença de improcedência da ação. A autora foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00. Suspensa a exigibilidade, tendo em vista a concessão do benefício da AJG.

Irresignada, apelou a autora (fls. 118-119), sustentando que o decreto do governo gaúcho autorizando o desconto de 70% do salário para pagamento de empréstimo é ilegal, pois contrário ao espírito da norma federal; inconstitucional, pois trata de forma desigual os iguais, ilegal e inconstitucional, pois leva o trabalhador a situação de miséria. Requer o provimento do recurso para que seja declarado ilegal o ato do banco de se apropriar de mais de 30% do salário da autora.

Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos à consideração desta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des.ª Liége Puricelli Pires (RELATORA)

Conheço do recurso, pois presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

De início, faço o registro que a autora insurgiu-se tão-somente em relação ao desconto em folha, não devolvendo ao Tribunal a questão referente ao dano moral, motivo pelo qual deixo de analisá-la.

Cuida-se de demanda na qual a autora postula a limitação dos descontos havidos em sua folha de pagamento. Requer a observância do limite de 30%.

De acordo com o contracheque acostado à fl. 9, em relação aos empréstimos realizados junto ao BANRISUL, há comprometimento de mais de 30% da renda da autora.

Penso que tal percentual desborda dos parâmetros legais e de um juízo de razoabilidade, renovando a vênia aos entendimentos em contrário.

Após refletir sobre a matéria, firmei entendimento de que essa disposição dos valores de natureza salarial não pode ultrapassar o limite de 30% dos vencimentos brutos da parte, após deduzidos os descontos obrigatórios (imposto sobre a renda e contribuições previdenciárias), nos termos do que dispõe o art. 6º, §5º, da Lei nº 10.820/03, com redação dada pela Lei nº 10.953/04, aplicado analogicamente à espécie:

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. 

(...)

§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios.

De outra banda, tenho por inaplicáveis os termos do Decreto Municipal nº 15.071/06, que autoriza a margem consignável em até 60%, porquanto em se tratando de recursos de natureza salarial, a autorização de sua retenção por Decreto não se coaduna com a proteção constitucional conferida ao instituto, cuja proteção legal se dará na forma da lei, nos termos do que dispõe o art. 7º, X, da CRFB/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

 

Nesse sentido, destaco precedente desta Corte:

SUSPENSÃO DO DESCONTO DE PRESTAÇÕES DE MÚTUO EM FOLHA - LIMITAÇÃO EM 30% DOS VENCIMENTOS. É VÁLIDO O DESCONTO DO DÉBITO EM FOLHA DE PAGAMENTO, SENDO RAZOÁVEL, PORÉM, QUE TAL DESCONTO SEJA LIMITADO A 30% DO SALÁRIO BRUTO DO DEVEDOR, DESCONTADOS VALORES RELATIVOS AO IMPOSTO DE RENDA E FUNDO PREVIDENCIÁRIO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 10.820/03, COM AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DE DECRETO PRO SE TRATAR DE ATO ADMINISTRATIVO QUE NÃO VINCULA A JURISDIÇÃO. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA. APELO DO BANCO DESPROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70038854865, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 14/10/2010)

CONTRATOS DE MÚTUO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. Ação de limitação de descontos em folha de pagamento. Cláusula de desconto de prestações de contratos de mútuo em folha de pagamento de servidor público. Validade da avença. Necessidade, contudo, de preservação de salário digno. Limitação a 30% dos vencimentos brutos, abatidos os descontos obrigatórios. Possibilidade. Legislação federal Lei Federal nº 10.280/03. Interpretação. Preservação de percentual razoável de vencimentos ao servidor. Deram provimento à apelação. (Apelação Cível Nº 70041354317, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 27/09/2011)

Assim, merece ser reformada a sentença recorrida, no ponto.

DISPOSITVO

 

Ante o exposto, dou provimento ao apelo para julgar parcialmente procedente o pedido, limitando os descontos mensais no contracheque da autora em 30% sobre os valores brutos percebidos mensalmente, abatidos os descontos obrigatórios (IRRF e contribuições previdenciárias).

Condeno as partes ao pagamento das custas processuais por metade, e ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da parte contrária, estes fixados em R$ 900,00, admitida a compensação. Suspensa a exigibilidade, tendo em vista a concessão do benefício da AJG.

É o voto.

 

Des.ª Elaine Harzheim Macedo (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Des. Luiz Renato Alves da Silva - De acordo com o(a) Relator(a).

 

DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO - Presidente - Apelação Cível nº 70043623669, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO."

 

 

Julgador(a) de 1º Grau: ELISABETE CORREA HOEVELER

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